quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O que acontece no meio.



No meio, a gente descobre que precisa guardar a senha não apenas do banco, mas a que nos revela a nós mesmos.

Vida é o que existe entre o nascimento e a morte. O que acontece no meio é o que importa.
No meio, a gente descobre que sexo sem amor também vale a pena, mas é ginástica, não tem transcendência nenhuma. Que tudo o que faz você voltar pra casa de mãos abanando (sem uma emoção, um conhecimento, uma surpresa, uma paz, uma ideia) foi perda de tempo.
Que a primeira metade da vida é muito boa, mas da metade pro fim pode ser ainda melhor, se a gente aprendeu alguma coisa com os tropeços lá do início. Que o pensamento é uma aventura sem igual. Que é preciso abrir a nossa caixa preta de vez em quando, apesar do medo do que vamos encontrar lá dentro. Que maduro é aquele que mata no peito as vertigens e os espantos.
No meio, a gente descobre que sofremos mais com as coisas que imaginamos que estejam acontecendo do que com as que acontecem de fato. Que amar é lapidação, e não destruição. Que certos riscos compensam – o difícil é saber previamente quais. Que subir na vida é algo para se fazer sem pressa.
Que é preciso dar uma colher de chá para o acaso. Que tudo que é muito rápido pode ser bem frustrante. Que Veneza, Mykonos, Bali e Patagônia são lugares excitantes, mas que incrível mesmo é se sentir feliz dentro da própria casa. Que a vontade é quase sempre mais forte que a razão. Quase? Ora, é sempre mais forte.
No meio, a gente descobre que reconhecer um problema é o primeiro passo para resolvê-lo. Que é muito narcisista ficar se consumindo consigo próprio. Que todas as escolhas geram dúvida, todas. Que depois de lutar pelo direito de ser diferente, chega a bendita hora de se permitir a indiferença.
 Que adultos se divertem muito mais do que os adolescentes. Que uma perda, qualquer perda, é um aperitivo da morte – mas não é a morte, que essa só acontece no fim, e ainda estamos falando do meio.
No meio, a gente descobre que precisa guardar a senha não apenas do banco e da caixa postal, mas a senha que nos revela a nós mesmos. Que passar pela vida à toa é um desperdício imperdoável. Que as mesmas coisas que nos exibem também nos escondem (escrever, por exemplo).
 Que tocar na dor do outro exige delicadeza. Que ser feliz pode ser uma decisão, não apenas uma contingência. Que não é preciso se estressar tanto em busca do orgasmo, há outras coisas que também levam ao clímax: um poema, um gol, um show, um beijo.
No meio, a gente descobre que fazer a coisa certa é sempre um ato revolucionário. Que é mais produtivo agir do que reagir. Que a vida não oferece opção: ou você segue, ou você segue. Que a pior maneira de avaliar a si mesmo é se comparando com os demais. Que a verdadeira paz é aquela que nasce da verdade. E que harmonizar o que pensamos, sentimos e fazemos é um desafio que leva uma vida toda, esse meio todo.


Martha Medeiros

As pessoas mais caras são aquelas com quem a gente pode tomar o vinho mais barato.

São elas, sim. Aquelas que não vão nos julgar pelo dinheiro que temos no bolso, na conta, na herança da família. As pessoas que nos são mais caras não dão a mínima se tudo o que temos é barato e comprado a prestação. Não ligam se o nosso carro não tem ar condicionado e faz barulho quando abre o vidro. Não reclamam se o vidro emperra. Não ficam tristes de ganhar no aniversário nada mais que uma mensagem de texto, um telefonema ou uma bobagem da loja de um e noventa e nove. Basta que seja sincero.
De todas as pessoas que encontramos na vida, as mais valiosas são as que chegam antes do dinheiro e as que ficam depois que ele acaba.
Não, isto não é um elogio à pobreza, não. É só uma celebração de toda gente leal que resta no planeta. Porque amigo é amigo com dinheiro ou na miséria. Pode até desistir de uma amizade. Acontece. Quase todo mundo vai embora quando é traído, enganado, maltratado, preterido. Afinal, ser amigo não é igual a ser trouxa ou aceitar tudo. Agora, nenhuma pessoa decente abandona seu amigo só porque a grana acabou.
Não, eu não estou dizendo que todo “pobre” é legal e todo “rico” é canalha. Estou afirmando que gente boa de verdade vive para além das limitações de orçamento. Não se aproxima e nem foge de alguém tão somente pela mera semelhança ou diferença financeira. Gente boa de verdade não expulsa de seu clube um companheiro na falência nem se achega a um desconhecido apenas por lhe saber endinheirado.
Não, não é mau frequentar lugares caros, pagar mais por seus gostos, viajar o mundo, viver em um bom bairro. Se o dinheiro é seu e foi ganho honestamente, o que há de errado? Nada! Assim como nada há de impróprio em viver com poucos recursos por necessidade, pagar menos para morar, comer, vestir. O sujeito que vende o almoço para comprar a janta não é melhor nem pior que o esbanjador e vice-versa. São só pessoas em posições diferentes, vivendo realidades diversas.
Pessoas não têm preço. Porque preço é próprio de coisas e objetos. Pessoas têm valor. Umas mais, outras menos. E eu tenho a impressão de que o valor da gente não se mede pelo preço que a gente paga nas coisas.
Não é por nada, não. Mas para mim as pessoas mais caras do mundo são aquelas que não reclamariam de tomar champanhe francês ao meu lado, de frente para a Torre Eiffel, como também não rejeitariam um vinho barato em minha companhia. Nem gostariam menos de mim por isso.

André J. Gomes